por Mirian Bobrow

OS MEDOS DE LIDAR COM A MORTE

Quase não se fala da morte até que ela se faça presente. Ao longo de nossa vida, temos que aprender a lidar com as adversidades. A grande adversária da vida é a morte e o medo de morrer é o cerne da nossa crise existencial.

O medo de morrer pode ser camuflado por uma variedade de eventos e crenças que nos ocupam, mas no nosso inconsciente é sempre uma preocupação permanente. Contra a morte temos pouco controle e é uma experiência que não se pode vivenciar.

Mesmo conscientes de que não somos eternos, faz parte do instinto humano evitar o tema, acreditar que morrer é um assunto distante e, assim, postergar decisões que, de alguma forma, nos remetam a ele.

Somos internamente movidos por defesas, que buscam afastar dos nossos pensamentos a angústia pelo desconhecido, assim como a ideia de sofrimento e de perdas que a morte pode nos trazer.

Por outro lado, se, por alguma circunstância, passamos a ter a sensação de que a morte está mais próxima de nós, começamos a pensar sobre quem nos sucederá no que temos e fazemos, se são competentes, maduros ou se estão à altura das responsabilidades, etc. Estas reflexões costumam gerar muita ansiedade e medos, que podem influir muito sobre a forma como lidamos com este momento, tanto mais se imaginarmos que, em muitas das situações, as principais decisões em torno deste processo serão tomadas de forma solitária.

Para lidar com esse sentimento (medo), considera-se essencial primeiro admitir que estamos com esta sensação. Quando se consegue nomear e acolher o medo (sentimento) adquirimos a capacidade de entrar em contato com ele e de poder refletir sobre a sua origem.

Conseguimos ver melhor quais seriam as nossas necessidades e o que nos deixaria mais tranquilos. Essa clareza nos permite criar uma atmosfera propícia, para entender que o medo faz parte do processo

Faz parte dessa preparação, que aqui podemos chamar de sucessão, uma reflexão sobre nossa própria finitude e sobre como nossos familiares irão lidar com isso. Não é incomum observar famílias que, além do luto, veem-se obrigadas a lidar com grandes conflitos para resolver as questões financeiras e a divisão de bens. O desaparecimento do patriarca, do fiel da balança e elo de unidade das relações familiares, pode desencadear conflitos antes anestesiados em respeito a ele.

Os conflitos surgem não necessariamente por ganância, uma má comunicação, magoas represadas há muito tempo, interpretações equivocadas e até fantasias, poderão extravasar quando o ente querido, objeto comum de amor, deixar de existir.

Todos estes sentimentos afloram ao mesmo tempo, podendo ter o cenário de sucessão como palco.

Um dos pontos mais importantes do processo de sucessão, seria o de conseguir fazer prevalecer a sua vontade, mesmo após a sua morte. Portanto, fazer um testamento não é algo simples.

Neste processo, necessariamente temos que refletir e nos conscientizar não só sobre nossa existência, como também sobre as nossas relações familiares Podemos aproveitar este momento como uma oportunidade e termos a chance, em vida, em darmos sentido a tudo o que fizemos e conseguimos.

Quando conseguimos dar por terminado este processo de sucessão, adquirimos a sensação de paz interior, de que, mesmo depois da nossa partida conseguimos preservar a unidade familiar e ter tido a oportunidade de corrigir eventuais injustiças.

Enfim, que tudo que fizemos e acumulamos na vida fez sentido. Esta talvez seja a parte mais valiosa da herança deixada.

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