por Milton Strassacappa

FELICIDADE E INTERPRETAÇÃO

Felicidade tem a ver com interpretação.

A interpretação é o ato linguístico por excelência que nos permite revelar nosso modo de ser em maior profundidade. As interpretações sempre falam daqueles que as emitem então, quando dizemos, por exemplo “Essa tarefa é muito difícil”, não estou falando apenas da tarefa, mas de mim mesma que, por exemplo, não me vejo como totalmente capaz de 

realizar a tarefa da melhor maneira. É preciso conscientizar-se e encarregar-se de nossas interpretações enquanto nos conscientizamos do poder que temos para gerar a nossa 

realidade, por exemplo, sobre a nossa felicidade.

Assumir a responsabilidade por nossas próprias interpretações também implica que quando alguém faz ou diz algo que não gostamos, a emoção que aparece é uma consequência do julgamento que fizemos. Logo, é correto afirmar que não é o que aconteceu que nos incomodou, mas, o que interpretamos do ocorrido. 

Então, nesse sentido, devemos nos reapropriar da nossa parcela de responsabilidade na emissão de nossas interpretações e vivenciar nossos estados emocionais enquanto 

recuperamos, ao mesmo tempo, nosso poder de mudar a nossa forma de enxergar, interagir e de atuar em nossa realidade.

Se interpretarmos, por exemplo, que para sermos felizes precisamos, em primeiro lugar, desenvolver-nos profissionalmente, geraremos uma realidade diferente daquela de que 

interpreta que para sermos felizes precisamos, em primeiro lugar, ter uma família. Este 

exemplo apresenta a condição de crenças gerais sobre a vida, sobre a qual, cada um de nós herdou durante a infância e aquelas que desenvolveu durante a sua jornada seja através da influência da sua cultura ou do seu meio.

São as crenças gerais sobre a vida, aliadas aos valores em meio a um processo de apoio mútuo, que filtram e condicionam as experiências que nos permitem viver as conclusões que extraímos dela. Todas as crenças surgem das combinações de experiências e interpretações dessas experiências que são armazenadas em nossa mente inconsciente que, às vezes, nos impedem de ver outras verdades e oportunidades que surgem através dessas experiências. Mudar a forma como interpretamos é ajustar o mindset.

Além das crenças gerais sobre a vida, geramos interpretações todos os dias. Já ao acordamos pela manhã estamos interpretando “Hoje será um bom dia”, “Não aguento mais esse trabalho”, “Quando eu chegar no trabalho a equipe estará desanimada”, “A aula hoje será um saco”. 

Também é verdade que geramos interpretações sobre outras pessoas e quando afirmamos, por exemplo, que “A Renata é honesta”, passo a assumir a honestidade como uma 

característica imutável que pertence à Renata e que não pode ser mudada porque, na minha interpretação sobre a Renata, não me parece uma interpretação sobre a Renata, mas sim, a própria realidade dessa pessoa.

Da mesma forma, geramos interpretações sobre nós mesmos. Quando dizemos “Eu sou assim”, “Eu não consigo” ou “Isso sempre acontece comigo”, estamos adotando a concepção clássica, onde muitas vezes não há espaço para a transformação. Quando a liderança pensa “Eu não sou capaz de motivar a minha equipe”, é necessário refletir e identificar que se trata de uma interpretação e não de uma afirmação. Sendo uma afirmação a colocação correta seria “A minha equipe não deseja estar no escritório 3 dias durante a semana”, “Na última avaliação 180 a equipe reclamou do excesso de trabalho” ou “A minha equipe de vendas faturou 15% a menos em relação ao ano passado”.

Nesta situação, o correto é investigar sobre os fatos para, assim, questionar a maneira como nós, individualmente a definimos e, dessa forma, oportunizar a criação de uma interpretação (baseada em fatos e afirmações) que, além de nos conferir maior poder e autonomia vai predispor ação.

Seguindo com o exemplo da liderança, ao investigar fatos reais, a liderança 

passa a gerar novas interpretações como: “Agora vejo que desenvolvi habilidades de liderança como gerar engajamento e confiança no time, mas, agora preciso desenvolver novas habilidades para criar rituais para as minhas equipes híbridas e remotas e assim fortalecer a minha equipe enquanto fortaleço o meu desenvolvimento enquanto líder.”

O critério usado para distinguir as interpretações não é a verdade, mas o poder que elas tem para criar a vida que desejamos. Nesse sentido, há interpretações que nos limitam e outros que nos aproximam de novas possibilidades, como também existem aqueles que nos provocam estados emocionais “desvitalizantes” e outros que nos revitalizam e fortalecem, ampliando nosso campo de ação e favorecendo a mudança de interpretação.

Se as interpretações criam realidades e afirmações a descrevem, para mudar a realidade precisamos, em primeiro lugar, ter a capacidade de observá-la e 

reconhecê-la. 

Trata-se de um processo circular de interpretação que demandam ações e que geram resultados. Quando questionamos as nossas interpretações, estamos contribuindo para o processo de transformação tendo novas visões sobre nós e dos outros.

Nesse sentido, parece correto afirmar que a felicidade tem a ver com 

interpretação, tanto sobre aquelas que fazemos sobre nós, sobre a vida, quanto aquelas que fazemos sobre os outros. A felicidade, seja ela do indivíduo, social ou no trabalho, é um constructo, uma produção multidisciplinar que está 

conectada à cenários prospectivos.

Para atingirmos um estado de felicidade, é preciso redirecionar a forma como a interpretamos não apenas com o trabalho, mas, principalmente conosco, sendo condição (sine qua non) sair da zona de conforto e atuar com protagonismo e propósito na mudança. 

Citando Carla Furtado em “Feliciência – Felicidade e Trabalho na Era da 

Complexidade”: 

“Um estado de consciência expandido de si mesmo ao [re]conhecer seus valores, forças e talentos, mas, também desvelando seus pontos cegos.”

Felicidade tem a ver com interpretação e ganha cada vez mais espaço dentro de nós e de empresas humanizadas, e ela pode estar no trabalho ou em quem trabalha: vai depender só de você.

 

Por: Renata Dabus Gozzo (edição 37)

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